20 novembro, 2024
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CAAPR
Representatividade e resistência no Dia da Consciência Negra
Apesar de representarem a maioria da população, negros e pardos ainda são sub-representados nas profissões jurídicas e no Judiciário, o que compromete a criação de políticas públicas inclusivas
A partir deste ano, o dia 20 de novembro é respeitado nacionalmente como o Dia de Zumbi e da Consciência Negra. Em dezembro de 2023, após aprovação do Congresso Nacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei nº 14.759, que torna a data feriado nacional.
A data marca a morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, localizado na Serra da Barriga. O território que hoje é o estado de Alagoas foi o maior quilombo brasileiro durante o período colonial, chegando à marca de 20 mil habitantes simultâneos, maior do que a maioria das cidades brasileiras daquela época. O líder, que lutou contra as forças coloniais e pela liberdade dos escravizados, foi capturado, preso e morto pelas tropas do bandeirante em 20 de novembro de 1695.
Mais do que uma homenagem a Zumbi e aos quilombolas, o Dia da Consciência Negra é um momento de reflexão sobre a história da população negra no Brasil e os desafios que ela ainda enfrenta. A oficialização do feriado representa um passo significativo na luta contra o racismo estrutural e é uma oportunidade para reforçar o compromisso com a igualdade racial. A data convida a sociedade brasileira a olhar para o passado e reconhecer o impacto da escravidão, enquanto impulsiona ações para garantir a inclusão e o respeito aos direitos dos negros em todos os espaços, especialmente no sistema jurídico.
Representatividade na advocacia e no sistema judiciário
Apesar de representarem 56,1% da população brasileira, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do IBGE, as pessoas pretas e pardas seguem sub-representadas nas profissões jurídicas. Em 2020, dados do Conselho Federal da OAB apontaram que apenas 17% dos advogados inscritos na Ordem se identificam como pretos. No Judiciário, o cenário é ainda mais desigual: conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apenas 12,8% dos magistrados se declaram pretos ou pardos.
Para Cassio Prudente Vieira Leite, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB Paraná, essa sub-representação compromete a elaboração de políticas públicas inclusivas para a população negra, que acabam muitas vezes não sendo discutidas ou são abordadas sem a profundidade necessária. “O sistema judiciário reflete uma estrutura racial que perpetua a exclusão de pessoas negras dos cargos de poder. Quando não há pessoas negras em posições de decisão, as políticas públicas necessárias para questões que envolvem a população negra ficam à margem”, explicou.
Nesse contexto, a Comissão de Igualdade Racial da OAB atua para aumentar a representatividade negra nas instituições de poder, incentivando a inclusão de mulheres e homens negros, inclusive através da discussão sobre cotas raciais para os tribunais. Além disso, a Comissão trabalha para conscientizar sobre as dificuldades enfrentadas pela população negra nas estruturas de poder. “Nós promovemos essa discussão para que, no futuro, homens e mulheres negros ocupem mais espaços na advocacia, no Ministério Público e nas entidades governamentais”, afirmou Cassio.
Combate ao Racismo Estrutural
Muitos ainda acreditam na ideia de que o Brasil é uma “democracia racial”, onde as relações entre grupos étnicos seriam igualitárias e sem preconceito. Esse conceito, popularizado na década de 1930, encobre as razões profundas para as desigualdades no acesso a recursos, educação, emprego e representação política, que afetam desproporcionalmente a população negra.
A Comissão da Verdade da Escravização Negra da OAB Paraná foi criada para combater essa ideia e valorizar a contribuição histórica de mulheres e homens negros na construção do Brasil. O presidente da comissão, Anderson Farias Ferreira, destaca que o trabalho é uma forma de corrigir o apagamento histórico que sustenta estruturas discriminatórias até hoje. “O trabalho da comissão é desmistificar a ideia de democracia racial, expondo a verdade sobre as consequências da escravização e resgatando o papel fundamental da população negra na construção do país”, explicou.
A comissão, através de eventos e debates, aproxima a advocacia paranaense de especialistas no tema, fortalecendo o conhecimento sobre o racismo e suas várias formas. “A comissão traz para dentro da OAB Paraná a discussão sobre o racismo e suas diversas manifestações, mostrando que o combate à discriminação é papel da advocacia”, ressaltou Anderson.
Embora os avanços sejam promissores, Anderson destaca que o caminho é longo e desafiador. “O ensino da história ainda apresenta o povo negro como descendente de escravos, ignorando uma rica história global. Esse sistema educacional reforça a exclusão, e precisamos romper com isso”, afirmou, apontando a importância da representatividade negra no Judiciário e na advocacia pública para que esses espaços reflitam a sociedade brasileira.